3.12.05

Como nascem os romances (Praga, novembro de 2002)


Cidade Velha de Praga, vista da Ponte Carlos.

Frio bobo. Com a sua brisinha congelante, achou que iria conseguir me deixar dentro daquele albergue. Errou. Primeiro que o lugar onde eu estava era péssimo, apesar da localização a 2 minutos da Staromestské námestí (Praça da Cidade Velha). Segundo que andar pelas ruas de Praga, mesmo com aquele frio todo, era sempre uma boa aventura. Descobertas a cada ruela, a cada esquina. E mais uma vez eu estava chegando à Karluv Most, a Ponte Carlos. Mesmo sendo indescritível, eu não resisto e tenho que falar sobre as estátuas barrocas por toda a ponte e a presença inspiradora de alguns violinistas tocando em troca de algumas Coroas. A vista para o Palácio de Praga. O rio Vltava calmo de novo, depois de fazer tantos estragos na cidade. E eu ali, sozinho. Vendo o fim do dia às 5 horas da tarde. Mas o que mais me chamou a atenção aquele dia não foram os raios do sol por atrás das antigas casas medievais. Foi um casaco vermelho. A medida que a gente vai conhecendo a Europa, percebe que o inverno fica ainda mais triste por causa das pessoas. Todas se vestem de cores escuras, acabrunhadas, deixando aquele mal-humor típico das baixas temperaturas tomar conta das ruas. E ela usando um enorme casaco vermelho. Provavelmente uma turista, como eu, não acostumada com a discrição européia. Fiquei observando ela recostar sobre o parapeito contrário ao que eu estava. Aproveitei para reparar melhor o quanto ela era bonita. Cabelos lisos e negros amarrados em um rabo-de-cavalo. Os olhos igualmente pretos com a visão perdida por aquela paisagem de cartão-postal. E eu sem conseguir desviar os meus dela. Lógico, estava tudo ali. Uma cidade exótica, uma paisagem maravilhosa, uma bela mulher solitária. Tudo pronto para um grande amor. E, ao contrário do que algumas mulheres imaginam, alguns homens também querem viver um grande amor. E, naquele momento, não havia como não pensar em me aproximar, sussurar alguma gracinha galanteadora, perguntar seu nome. Sair dali para um dos pequenos cafés do Malá Strana, trocar deliciosas histórias de viagem. Ficar sabendo tudo um sobre o outro, sobre os motivos reais da viagem de cada um. E nos despedirmos, já sob o o frio da noite, ela indo para o hotel, eu voltando para o tal albergue. Com tudo combinado para nos encontrarmos mais tarde na Praça da Cidade Velha e de lá sairmos abraçados só "pra esquentar um pouquinho". Nos esperando, uma das animadas boates da cidade. Uma fora do circuito turístico, somente com as pessoas de Praga. Para podermos dançar no meio de todas aquelas pessoas falando uma língua totalmente estranha enquanto nós dois, só com olhares, nos entendíamos bem. Depois voltarmos, ainda mais juntos, até o quarto de hotel dela, passarmos uma noite inesquecível e, ainda, aproveitar uma semana de sonhos em Praga. Poderíamos, após tudo isso, continuar juntos pela Europa, não nos vermos nunca mais, ela mudar comigo pro Brasil, eu ir com ela para seu país. De qualquer maneira, nunca mais esqueceríamos aquele breve romance na cidade onde poetas e escritores passaram suas vidas em busca de inspiração. Nossa história seria uma inspiração para um desses. Seria. Mas o pensamento longe, a imaginação sem limites, me roubaram o tempo. E enquanto eu pensava no que poderia ser, um outro homem se aproximou daquela mulher. E, para ele, as coisas foram. Conversaram brevemente, sorriram envergonhados e logo saíram caminhando juntos pela ponte. Aos poucos o casaco vermelho sumiu na paisagem cinza. Nessas horas fica difícil não se odiar, não se sentir um covarde, um menino. Nem mesmo com o consolo de ter sido uma testemunha tão próxima de como nascem os romances.